No fim de maio, ele fez a última partida pelo Betis, em Sevilha, depois, em agosto, atravessou o país para ficar menos de um mês em Barcelona até pegar um avião para a nova casa, em Londres. Hoje, ele é titular do Tottenham e joga na liga mais exclusiva do mundo.
Em papo com o ge, o lateral contou da esperança de chegar na primeira Copa, da disputa com o ídolo Daniel Alves, da adaptação às mudanças e do sonho frustrado em Barcelona e da evolução do futebol. Das orientações de Tite ao trabalho nos clubes.
Confira a entrevista com Emerson Royal:
ge: A gente vê que você faz questão de carregar o apelido na camisa. Por quê?
– Emerson Royal: No começo me chamavam muito de Emerson. Não sabiam do meu apelido. E não é que eu não gosto do meu nome, claro que não, gosto muito, mas prefiro muito mais o Royal. Venho pedindo há um tempo já que me chamem de Royal. É um apelido que tenho carinho muito grande, minha família inteira, todo mundo me conhece como Royal, então gostaria que a torcida, os fãs do futebol e até mesmo a imprensa me conhecesse assim também.
Para quem ainda não sabe, explique a origem do apelido.
– Royal é por causa da gelatina, porque eu tenho boca grande (risos). E eu chorava muito e tinha uma tia minha que falava "bocão, bocão", porque eu sempre estava com a boca aberta chorando. E apelido é assim, quanto mais você fica brabo, mais pega. Começaram a me chamar de Royal, bocão, eu fui me acostumando e a minha família inteira hoje me chama assim. Hoje prefiro o Royal do que o Emerson.
A sua primeira convocação foi em 2019. Você foi a Copa América e volta agora nas Eliminatórias. É um novo período, de confirmação na Seleção?
– Com certeza, sempre deixei bem claro meu desejo de chegar à seleção brasileira. Para mim é sempre uma honra vestir a camisa e ganhar nova oportunidade é essencial, pensando em Copa, estar agora nas Eliminatórias. Eu tive oportunidade de jogar na Copa América um pouco, vim evoluindo, vim trabalhando nesse sentido. Na primeira convocação, tive algumas informações, o Tite conversou bastante comigo que eu tinha que melhorar alguns aspectos para o estilo de jogo da Seleção também. Acabei levando em conta, juntamente com meu clube, para fazer esse trabalho e agora tive oportunidade outra vez de ser convocado para a seleção brasileira.
Emerson Royal estreia pelo Tottenham diante do Crystal Palace: ele já tem seis jogos e é titular do time inglês — Foto: REUTERS
Você tem jogada de ultrapassagem que os laterais da Seleção não têm tanto, nem Danilo nem Daniel Alves. É um diferencial seu nessa disputa? O que Tite mais te pediu no período?
– A primeira vez que fui convocado o Tite conversou muito comigo nesse sentido de construção, porque no Betis eu não vinha trabalhando muito isso. No Betis, jogava um pouco mais adiantado e a gente deixava que os volantes baixassem mais para construir e eu já estava espetado contra os laterais no mano a mano, na última linha. Então era característica um pouco diferente do que o Tite trabalha na Seleção, em que o lateral constrói mais, já faz a saída de quatro e eu não tinha isso muito no meu clube. Não trabalhava muito isso, então Tite me deu alguns toques.
– Falava para mim que quando pudesse construir mais de trás seria bom nesse sentido. Então voltei e comecei a construir um pouco mais de trás e acho que aí melhorei muito a minha performance. Sempre tive agressividade na frente e aprimorei na parte defensiva, essencial para a minha posição.
Você ficou 40 dias com Tite, treinando com o grupo, com a comissão. Foi um período importante para você conhecer esses conceitos do treinador.
– Nesse período aprendi muito com os grandes jogadores da Seleção. Por exemplo, os zagueiros que estão ali do meu lado, no posicionamento defensivo, no ofensivo, quando não estou do lado da bola, não estou atacando, para fechar um pouco mais. Toques de posicionamento de jogadores também, não somente da comissão técnica. Eu falava muito com Tite, ele dava atenção especial a todos. Alguns treinadores têm alguns problemas nesse sentido, de ter time na mão, conduzir time, mas o Tite é espetacular nesse sentido. Ajuda a todos, conversa com todos. Me deu carinho necessário para desenvolver, me explicou o que ele gosta. Ele é muito detalhista, então isso é importante para todos atletas, principalmente para a gente que é jovem.
Vi você falando que conversou com Daniel por telefone. Vocês se conheceram na Copa América. Como foi esse contato?
– Eu conversava com o Dani, tinha falado com ele antes por Whatsapp, Instagram, quando ele postava alguma coisa eu respondia, ele também. Um dia falei para ele que queria conhecê-lo, aí falei que a gente ia treinar no CT do São Paulo, ele falou que ia passar lá. Foi quando o conheci, não conversei muito com ele. Mas estava próximo do treino e, claro, todos jogadores têm o carinho pelo Dani. Então estava naquele momento que todos passavam e conversavam com ele, deu para perceber que é pessoa espetacular. E também a parte disso, o carinho que ele demonstra pelo meu futebol, em todas conversas que tive com ele, isso foi muito importante. Ele sempre fala que é para eu seguir, que tenho potencial muito grande pela frente.
No curto período pelo Barcelona, um sonho de infância que ficou pelo caminho: foram só três jogos pelo time catalão — Foto: Getty Images
Como é ter um ídolo concorrente?
– Isso a gente aprende, na nossa profissão, a levar numa boa. Porque é uma briga sadia, como costumamos dizer. Mas... estou aqui para trabalhar e para mostrar meu trabalho. E vou trabalhar para estar na frente, nesse sentido.
Você morou em três cidades diferentes em um semestre. Como foi viver isso?
– Foi muito rápido, no Barcelona tive 28, 29 dias se não me engano. Vinha de Sevilha, depois fui para a Seleção, depois cheguei em Barcelona e depois vim para a Inglaterra. Foi período muito curto, muitas mudanças, muitas diferenças de características. Saio do Betis com tipo de jogo, vou para a seleção brasileira e muda algumas coisas, no Barcelona é totalmente diferente e agora chego numa competição, no Tottenham, que é mais diferente ainda. A cabeça demora um pouco para assimilar tudo isso, mas temos maturidade suficiente para trabalhar em cima disso.
Como está a vida na Inglaterra?
– O que mais estranho no começo é o clima. Agora não está fazendo tanto frio ainda, mas dá para perceber que aqui é muito mais frio do que os outros países que passei. E também a língua, o idioma é um pouco complicado, não falo inglês ainda. Mas quando você chega, língua diferente, complicado para acostumar. Mas vou trabalhar em cima disso, do idioma e de trabalhar para me adaptar o mais rápido possível com o frio. Mas de resto, comida, no clube, que tem jogadores com quem já joguei, como Lo Celso, tem jogadores sul-americanos, brasileiros, então para mim é mais tranquilo nesse sentido de adaptação.
Qual a maior diferença que sentiu da Liga para a Premier?
– A Premier é a melhor do mundo hoje, é muito competitiva, você joga com último colocado e pode perder jogo de 2 a 0, a dificuldade é muito alta. Então é muita transição e força. Um pouco diferente da La Liga que tem futebol mais jogado do que jogo mais de força. Aqui é força física, muita velocidade, mas isso vai se adaptando, é normal. Venho de três anos de uma liga totalmente diferente. Mas não vejo que isso é um problema. No menor tempo possível vou me adaptar.
Tem feito trabalho específico para se adaptar?
– Eu sempre tive um trabalho à parte, fiquei dois anos e meio no Bétis e um tempo no Barcelona. Nesse período todo eu tive um trabalho à parte, em casa. Na La Liga, eu fazia mais um trabalho com bola, pensando no jogo curto, no jogar. Aqui eu já mudei o foco um pouco, tenho que dar uma ênfase a mais na força, a competição te pede isso. Já comecei a trabalhar nesse sentido, já ganhei um pouco mais de corpo, uns quilos a mais que eu não pensava em ganhar. Para minha evolução, isso vai ser fundamental.
Você já estava fluente em espanhol. Como tem sido a adaptação à língua inglesa?
– Inglês está sendo um pouco mais chato de aprender. Espanhol era diferente, um pouco mais parecido com português, dava para ter um pouco da noção do que as pessoas queriam te falar. Aqui não, se você não sabe é complicado para entender, porque você não faz ideia do que as pessoas estão te falando. Nos primeiros dias foram muito complicados, porque eu não entendia absolutamente nada. Hoje eu já consigo entender bastante coisa, já consigo entender bastante coisa, consigo me comunicar, não 100%, longe disso ainda, mas agora consigo me comunicar mais com as pessoas, entendo mais coisas. Agora vou estudar mais também, vai ser mais fácil. Então acho que a língua agora é um problema, uma dificuldade, mas em curto prazo de tempo vou tirar isso de letra.
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A gente acaba falando muito do Daniel, mas hoje o titular é o Danilo. O que aprendeu também com ele, um jogador tão concentrado, um líder também na Seleção?
– É um cara que não tem egoísmo, que não pensa só nele, pensa em ajudar. Em todos os momentos que a gente treinou junto, principalmente o posicionamento, ele me ajudou. Conversava bastante comigo. Ele tem um perfil de liderança, um jogador que tem respeito dos companheiros. É uma ótima pessoa, nunca tive problema com ele, é uma pessoa excepcional. Cada jogador tem suas características, eu vejo ele como forte mentalmente, defensivamente muito bom. Se tornou um grande colega e pode se tornar um grande amigo pelo fato de ele me ajudar bastante na Seleção.
A sua transferência para o Barcelona chamou a atenção pela rapidez. Passou a impressão que, pela crise do clube espanhol, você também não teve escolha. Como foi isso?
– Na verdade, foi uma decisão difícil. Eu conversei com a minha família. Tinha o sonho de ficar no Barcelona, sempre deixei isso claro, todo mundo sabia. Eu também tive o aval da diretoria, quando fui apresentado fiquei impressionado com o Laporta, ele sabia das minhas características de cabeça, sabia da minha família, por onde eu tinha passado, quantas vezes eu tinha ido para a Seleção... Ele sabia coisas de mim que não é qualquer um que sabe. Ele gostava do meu futebol, me acompanhava bastante, então eu estava seguro e confiante de ficar no Barcelona. Porém, quando eu tive a conversa com os diretores e vi que o Barcelona estava passando por um momento complicado e queria me vender, foi um pouco estranho. Pensei: “Pô, de uma felicidade de estar no Barcelona, vou sair agora?”
Emerson Royal promoveu um "Natal do Bem" em Emerlino Matarazzo, bairro onde nasceu na zona leste de São Paulo — Foto: Manolo Filho de Deus / Divulgação
– Foi complicado no começo. Mas quando vi que o Tottenham estava com interesse, eu procurei saber mais. Não conhecia muito a Premier, agora conheço. Não conhecia completamente o Tottenham, é claro que conhecia grandes jogadores que jogam aqui e já jogaram, mas procurei saber mais coisas, conversei com companheiros daqui. Foi quando conversei com a minha família, todo mundo foi pego de surpresa também, porque no domingo joguei de titular e na segunda eles queriam me vender. Foi estranho, mas o que levei de bom foi que vim para um ótimo clube, uma ótima liga, num lugar que me desejam de verdade. O que não tive no Barcelona, encontrei aqui.
Houve contato com o Arsenal, com Edu Gaspar, seu atual rival de cidade?
– Sim, eu tive uma conversa com o Edu Gaspar. Na verdade, eu nem sabia que o Barcelona estava conversando com outros clubes, isso foi antes. Falei com o Edu Gaspar, tivemos uma conversa, ele é brasileiro, passou pela Seleção, é uma pessoa excepcional, me deu uma atenção incrível quando falamos. Eu falei que ele teria que entrar em contato com o clube, se fosse da vontade do clube e eles entrassem num acordo... Mas, a princípio, eu não queria deixar o Barcelona, deixei bem claro. Foi quando o Tottenham entrou com a proposta, eu fui chamado lá e optei pelo Tottenham.
Você sempre parece muito positivo e tranquilo com as coisas. Como você se prepara fora de campo?
– Eu venho de Ermelindo (Matarazzo), favela de São Paulo, e vindo desses lugares você amadurece um pouco antes. Saí de casa muito cedo, passei por muitas coisas no futebol, não só eu, a maioria dos jogadores passou por coisas ruins. A gente tem que dar a volta por cima. Com a maturidade que criei durante a vida e essas experiências que tive no futebol, nada mais é surpresa. Eu cheguei na sala de casa, fui dar a notícia para minha família que tinha conversado no Barcelona e iria para o Tottenham, e minha família ficou me olhando. Eu falei: “Olha, não se assustem, confiem em mim, vamos para lá, a gente vai ser feliz, vamos embora.”
– Minha família ficou meio assim com a naturalidade que eu recebi a notícia. Foi uma coisa assustadora no começo, mas no prazo de uma ou duas horas já era a coisa mais natural do mundo. Desenvolvi isso com as coisas que vivi no futebol e também ajudou muito de onde eu vim.
Então não perdeu nem uma noite de sono?
– As primeiras horas foram as mais complicadas, as duas ou três. Eram 16h, se não me engano, e eu tinha até a noite para dar a resposta, porque era o último dia de janela. Foi um período complicado, ainda não tinha conseguido assimilar o que estava acontecendo de verdade. Dei uma respirada, fiquei um pouco sozinho, eu comigo mesmo, pensei o que seria melhor para mim, conversei com a minha família, as pessoas que me acompanham, que estiveram comigo sempre, e tomei a minha decisão. Falei: a decisão é essa. Perguntei a opinião da minha mãe, meu pai, meu irmão, e eles falaram: “o que você decidir, vamos estar contigo sempre.” Então falei: vamos embora!
E sempre com esse sorriso característico?
– Na vida temos duas opções: enfrentar com felicidade ou tristeza. Às vezes, a gente vê pessoas que tem tudo e não são felizes. Para mim, tudo está na felicidade. Se você está feliz, você tem tudo. Eu levo isso comigo, independente da situação. Poucas vezes na minha vida fiquei triste, revoltado, chateado, procuro levar as coisas com sorriso no rosto. Acredito muito em energia, se você está feliz, as energias conspiram a seu favor. Por isso levo sempre o sorriso no rosto, assim as coisas tendem a dar certo.
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